A GESTÃO DE PESSOAS E O ASSÉDIO MORAL – Por Vitor Bonini Toniello
1. O Elemento Humano como Patrimônio da Empresa
Diante das grandes transformações ocorridas no mundo globalizado, pode-se afirmar que o relacionamento profissional dentro das empresas muito mudou.
Nos últimos tempos, as empresas tiveram que se adequar às novas exigências do mercado, principalmente com o investimento em tecnologia de produção.
É possível falar, hoje, que a maioria das empresas e seus empregados vivem um “caráter transitório”, uma vez que as incorporações comerciais e as técnicas de “downsizing” tornaram-se práticas freqüentes no contexto mundial. Isso significa dizer que ninguém é proprietário para sempre de uma empresa e ninguém tem o emprego assegurado pela vida toda.
Embora o investimento em tecnologia seja uma tendência “cristalizada” entre as empresas, é certo que o maior patrimônio das sociedades são os profissionais que ali trabalham.
Com efeito, o elemento humano é responsável pelo sucesso ou fracasso do empreendimento, independentemente do aparato tecnológico que possui.
Segundo a lição do insigne Idalberto Chiavenato
[1]:
“Se pretendermos modernizar as nossas empresas, devemos começar pelas pessoas que nela trabalham. A modernização passa antes pela cabeça das pessoas e pela sua competência para chegar posteriormente às máquinas, equipamentos, métodos, processos, produtos e serviços. Estes são a conseqüência da modernização. O produto final dela. Mas não a sua origem. O impulso alavancador da modernização está nas pessoas, nas suas habilidades e conhecimentos, na sua criatividade e inovação, na sua inteligência e na sua competência” (grifo nosso).
Imagine-se, por exemplo, uma empresa que desenvolve “softwares”. É evidente que seu maior patrimônio é o conhecimento que seus profissionais têm, de maneira que podem, em cada caso específico, elaborar um novo programa de computador que satisfaça os interesses e necessidades de seus clientes.
2. A Motivação e o Treinamento como Fatores Determinantes do Resultado
Uma equipe de profissionais qualificados e motivados traz, certamente, resultados positivos e satisfatórios para o empreendimento, de forma que o elemento humano, como dito anteriormente, pode ser identificado como fator de sucesso ou fracasso da atividade empresarial.
Por esse motivo, grandes são os esforços das companhias em treinar e motivar seus funcionários, tudo isso para obter vantagens no mercado competitivo.
Veja que não se trata de identificar as “estrelas” do mercado de trabalho, mas tão somente de capacitar e motivar um profissional mediano.
Para isso as empresas tomam as mais diversas atitudes, dentre as quais podem ser citadas:
a) remuneração por habilidades;
b) descanso após o horário de almoço;
c) programa periódico de treinamento;
d) cumprimento do horário de trabalho a critério do empregado;
e) identificação do “funcionário do mês”.
Com esse comportamento empresarial, as companhias cuidam e desenvolvem o setor mais importante de sua estrutura, ou seja, o elemento humano.
De fato, um profissional motivado e capacitado é capaz de “vestir a camisa” da empresa, no sentido de realizar seu trabalho da melhor forma possível.
Note-se, aqui, que a expressão “vestir a camisa” não quer dizer que o profissional irá trabalhar mais e esgotar sua força laborativa. A expressão é utilizada como sinônimo de “compromisso” com a filosofia da empresa, de maneira que o profissional cumprirá adequadamente com as responsabilidades que assumiu.
Isso porque a motivação do pessoal influencia diretamente o clima organizacional da empresa, como bem nos ensina o ilustre Idalberto Chiavenato
[2]:
O clima organizacional está intimamente relacionado com o grau de motivação de seus participantes. Quando há elevada motivação entre os membros, o clima motivacional se eleva e se traduz em relações de satisfação, de animação, interesse, colaboração etc. Todavia, quando há baixa motivação entre os membros, seja por frustração ou barreiras à satisfação das necessidades, o clima organizacional tende a abaixar-se, caracterizando-se por estados de depressão, desinteresse, apatia, insatisfação etc., podendo, nos casos extremos, chegar a estados de agressividade, tumulto, inconformidade etc., típicos de situações em que os membros se defrontam abertamente com a organização (como nos casos de greves, piquetes etc.).
Aliás, muito se argumenta que o maior desafio dos líderes é formar equipes compromissadas com a atividade empresarial. Através disso pode-se dizer que empresa não é um simples local de trabalho, mas um verdadeiro lar, onde todos contribuem para alcançar objetivos previamente definidos.
Para que esse compromisso seja alcançado, o gerente deve cultivar o potencial motivacional de cada profissional, fazendo com que isso transpareça nas suas funções empresariais.
O mesmo Chiavenato com muita propriedade leciona que
[3]:
O gerente deve conhecer o potencial interno de motivação de cada pessoa e deve saber como extrair do ambiente de trabalho as condições externas para elevar a satisfação profissional.
3. A realidade brasileira e o Assédio Moral
Infelizmente, no cenário brasileiro, são poucas empresas que possuem esse tipo de filosofia.
Na realidade, o fenômeno é completamente o oposto, isto é, poucas são as empresas que valorizam e motivam seus profissionais.
Um acontecimento que está tomando grandes proporções é o chamado assédio moral, que nada mais é do que a humilhação e o incômodo sofridos no ambiente de trabalho através de condutas abusivas que atentem contra a dignidade da pessoa humana.
O ilustre Heinz Leymann
[4], um dos pioneiros no assunto, define o assédio moral como sendo:
A deliberada degradação das condições de trabalho através do estabelecimento de comunicações não éticas (abusivas) que se caracterizam pela repetição, por longo tempo, de um comportamento hostil de um superior ou colega (s) contra um indivíduo que apresenta, como reação, um quadro de miséria física, psicológica e social duradoura.
Embora a atenção para o assunto tenha sido voltada recentemente, a grande verdade é que esse fenômeno é tão antigo quanto o próprio trabalho.
Muitos empresários, gerentes e diretores praticam o assédio moral de maneira involuntária, diante, principalmente, da grande competitividade que assola praticamente todos os setores do mercado. Isso porque imaginam, erradamente, que podem conseguir mais empenho e dedicação dos empregados, quando na verdade o efeito é completamente o inverso.
Nesses casos, o assédio ocorre pela hierarquia existente entre os profissionais, sendo caracterizado por um rigor excessivo de desqualificação, críticas em público, designação de tarefas inúteis, ameaças, restrição e limitação a qualquer iniciativa do empregado, enfim, inúmeros são os exemplos de assédio moral, sendo certo que foram elencados os mais freqüentes.
Importante observar, entretanto, que o assédio não é praticado somente por profissionais que exercem cargo de chefia ou direção, mas também é realizado, em igual intensidade, por profissionais do mesmo nível hierárquico.
Quando isso ocorre o assédio se manifesta de maneira “camuflada” e covarde, pois qualquer insinuação aberta permite um revide imediato do ofendido.
São comuns as provocações por gestos, fofocas, sarcasmos e ironias, os quais podem ser facilmente negados em caso de descoberta, com desculpas do tipo “foi só uma brincadeira” ou“não é nada de mais”.
4. Da disciplina jurídica do Assédio Moral
Mas qual o tratamento dado ao assédio moral pela legislação brasileira?
O assédio moral pode dar ao empregado o ensejo à resolução do contrato de trabalho fundada, conforme o caso, no art. 483, “a”, “b” e “d”, ou seja, quando o empregador trata-lo com rigor excessivo, exigir serviços além de suas forças, ou descumprir as obrigações legais ou contratuais.
Caso haja a dispensa do empregado em virtude do assédio, tal dispensa é considerada nula, devendo ser reintegrado no emprego, de acordo com art. 4º da Lei 9.029/01.
Note-se, ainda, que o assédio moral pode originar a pretensão à reparação dos danos patrimoniais e morais, ligados, respectivamente, ao prejuízo econômico-financeiro percebido pelo empregado (despesas com medicamentos, psicólogos, etc.) e ao abalo à honra, auto-estima, reputação, enfim, aos direitos da personalidade.
Essa indenização pelos prejuízos materiais e morais advindos ao empregado encontra fundamento, inicialmente, na própria Constituição Federal. Confere-se:
Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(...)
X -são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;
Observa-se que a reparação dos danos ganhou status constitucional, diante da importância da matéria. Entretanto, não é apenas a Constituição Federal que traz sua disciplina jurídica.
A Consolidação das Leis de Trabalho não contém qualquer norma aplicável ao tema, mas o art. 8º, §1º dispõe que, em caso de lacuna, o direito comum será aplicado subsidiariamente ao Direito do Trabalho desde que não seja incompatível com seus princípios fundamentais.
Sendo assim, o atual Código Civil, inovando a respeito, estabeleceu sobre a tutela dos direitos da personalidade no art. 12, relacionados, essencialmente, com a dignidade da pessoa humana. Vejamos:
Art. 12. Pode-se exigir que cesse a ameaça, ou a lesão, a direito da personalidade, e reclamar perdas e danos, sem prejuízo de outras sanções previstas em lei.
Ademais, o mesmo Código Civil traz a disciplina jurídica da responsabilidade civil no art. 186, a saber:
Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
Isso significa dizer que a indenização pelo assédio moral encontra amplo regramento jurídico, de maneira que o empregado faz jus à reparação dos danos por ele sofridos, quer sejam patrimoniais, quer sejam morais.
5. Conclusão
De todo o exposto, conclui-se que o assédio moral é uma prática antiga e muito freqüente no ambiente de trabalho, que serve como obstáculo à criação e desenvolvimento próprio do profissional, dificultando a obtenção de resultados. Na realidade, o comportamento dos empresários deveria ser outro, ou seja, de motivar e treinar a equipe de trabalho para a consecução de objetivos previamente definidos pela organização.
Pode-se afirmar, com absoluta certeza, que o assédio moral é indenizável, no campo patrimonial e moral, por expressa previsão constitucional e infraconstitucional, dando ensejo, também, à resolução do contrato de trabalho e à reintegração do empregado em caso de dispensa.
[1]CHIAVENATO, Idalberto.
Gerenciando pessoas: o passo decisivo para a administração participativa. São Paulo: Makron Brooks, 1994, 1992, p. 132.
[2]CHIAVENATO, Idalberto.
Recursos Humanos. Ed. compacta, 7. ed. – São Paulo: Atlas, 2002, p. 94.
[3]CHIAVENATO, Idalberto.
Gerenciando pessoas: o passo decisivo para a administração participativa. São Paulo: Makron Brooks, 1994, 1992, p. 179.
[4]SALVADOR, Luiz.
Assédio moral – doença que pode levar a incapacidade permanente e até a morte. Justiça do Trabalho vol. 232, Rio Grande do Sul: HS Editora, abril de 2003, p. 24.